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Decreto pode mudar uso do cartão de crédito

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Projeto de decreto legislativo que permite a diferenciação de preços nas compras à vista, em dinheiro, e as pagas com cartão será votado na Câmara

Nadja Sampaio/Brasil Econômico

O consumidor vai ter que reaprender a usar o cartão de crédito, caso o projeto de decreto legislativo que permite a diferenciação de preços nas compras à vista, em dinheiro, e as pagas com cartão passe também na Câmara. O Senado aprovou o projeto na semana passada, em votação simbólica e após muita polêmica e discussão. As entidades de defesa do consumidor são contra o projeto e já estão se mobilizando para impedir a aprovação na Câmara. É briga de cachorro grande. Mas seria bom o consumidor começar a pensar como seria não pagar mais as contas com cartão e como faria para readequar seu orçamento para pagar à vista. E se houvesse diferença de preços também no cartão de débito?

Ainda vamos ouvir muita discussão sobre esse assunto, pois, no entendimento da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), considera abusiva a cobrança diferente de preços para pagamento em dinheiro e em cartão. Além da lei, foram feitas duas notas técnicas, uma do Procon-SP e outra do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), endossando este entendimento, para não haver dúvida.

A Senacon continuará lutando para que não haja diferenciação de preços conforme o meio de pagamento. E a Senacon não está sozinha. O Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (Idec) e a Proteste – Associação de Consumidores já deixaram claro, há muito tempo, que classificam de abusiva a cobrança diferenciada e consideram o projeto de decreto um retrocesso. E vão se mobilizar para impedir que a proposta vença na Câmara.

Hoje, nas compras à vista, em dinheiro, no cartão de crédito ou no de débito, o preço tem que ser o mesmo, apesar de as transações com cartões embutirem a taxa de serviço das operadoras de cartões, que gira em torno de 7% a 11%. A proposta do senador Roberto Requião (PMDB-PR) suspende a resolução 34/1989, do extinto Conselho Nacional dos Direitos do Consumidor (CNDC), que impede comerciantes de diferenciarem os preços, conforme a forma de pagamento.

Há muito tempo os lojistas estão pressionando o Senado e a Câmara para a aprovação do projeto, pois entendem que o cartão tem que concorrer com o dinheiro. É um lobby pesado. E em época de eleição, todo mundo precisando de apoio, sabe como é, né, fica mais fácil passar estes projetos polêmicos.

Se este projeto for aprovado vai provocar uma bagunça na vida financeira de uma grande parte dos consumidores. O cartão de crédito, em si mesmo, sendo mal utilizado, já dá uma grande dor de cabeça para o consumidor. Mas vai dar ainda mais trabalho negociar com vários preços. Por exemplo, hoje uma parcela grande de consumidores concentra seus pagamentos do dia a dia, coisa bobas, todos num mesmo cartão, de preferência em um que dê milhagem. Com preços diferenciados, obviamente, o consumidor não vai gastar mais para pagar, no cartão, uma cerveja no supermercado. Ou seja, seria preciso se reestruturar financeiramente para deixar de pagar tudo no vencimento da fatura e passar a pagar à vista. Nas compras mais caras, o consumidor continuará parcelando o pagamento, e pagando juros, seja no cartão ou no carnê.

Se a moda chegar no cartão de débito, aí vai ser mais trabalhoso ainda para o consumidor, porque ele precisaria voltar a carregar mais dinheiro na bolsa. E mais inseguro também. A parte boa é que, sendo mais vantajoso pagar tudo à vista, e em dinheiro, fica mais fácil resistir ao impulso de compra e sair passando o cartão. Mas, se a opção for fechar os olhos e passar o cartão, a conta pode ficar salgada. O consumidor teria que fazer muita conta.

Os cartões que trocam pontos de pagamento por milhagem também teriam que se reestruturar. Pessoalmente, não tenho nenhum plano de milhagem, acho uma enganação, dá o maior trabalho para tirar a milhagem em passagens aéreas ou trocá-la por prêmios desnecessários, e é mais uma coisa para ficar acompanhando, checando, não tenho paciência. Mas sei que tem muita gente que confia nestas milhagens para viajar nas férias. Esta estratégia de uso do cartão teria que ser repensada.

A questão agora é garantir um direito do consumidor. Para as entidades de defesa do consumidor, esse assunto dos preços diferenciados já estava pacificado. É ilegal ter dois preços na mesma mercadoria, dependendo do meio de pagamento. Está no CDC. As normas técnicas enfatizam o entendimento. Ponto.

Aí aparece um projeto que permite que uma disputa de mercado, comerciantes versus operadoras de cartões, desrespeite a lei e afete profundamente a vida do consumidor. Um projeto polêmico, que está rodando há seis anos pelo legislativo e ainda foi aprovado por votação simbólica. Apesar de alguns partidos serem contra a proposta de Requião, mais uma vez os nossos deputados e senadores colocam o interesse do consumidor, e do eleitor, diga-se de passagem, em último lugar. E nós, entidades e consumidores, teremos que garantir um direito, que já tínhamos conquistado, na próxima rodada na Câmara. E a luta continua..